terça-feira, 14 de julho de 2009

MEU ANJO



Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos. Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo…
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorrizo!Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!A Lagartixa
A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito…
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amoresVale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha…
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa. Luar de Verão O que vês, trovador? – Eu vejo a lua
Que sem lavar a face ali passeia;
No azul do firmamento inda é mais pálida
Que em cinzas do fogão uma candeia. O que vês, trovador? – No esguio tronco
Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira…
além se encontra a luz sobre um rochedo
Tão liso como um pau de cabeleira.Nas praias lisas a maré enchente
S’espraia cintilante d’ardentia…
Em vez de aromas as doiradas ondas
Respiram efluviosa maresia!O que vês,
Respiram efluviosa maresia!O que vês, trovador? – No céu formoso
Ao sopro dos favônios feiticeiros
Eu vejo – e tremo de paixão ao vê-las -
As nuvens a dormir, como carneiros.E vejo além, na sombra do horizonte,
Como viúva moça envolta em luto,
Brilhando em nuvem negra estrela viva
Como na treva a ponta de um charuto.Teu romantismo bebo, ó minha lua,
A teus raios divinos me abandono,
Torno-me vaporoso… e só de ver-te
Eu sinto os lábios meus se abrirem de sono.

*ALVARES DE AZEVEDO

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