Poema de Bertold brecht
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se esconderam;
pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles
entrou sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada
Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz: e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo, por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios
calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.
Olho ao redor , e o que vejo, e acabo por repetir, são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe, e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam, pela gola do paletó
à porta do templo, e me pedem que aguarde, até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei, porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição de falso democrata
e rotulo meus gestos com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso, esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
Nenhum comentário:
Postar um comentário