terça-feira, 31 de agosto de 2010

O QUE VEM COM O SILÈNCIA



Ela não queria mais saber de sua vida, nem queria ouvir falar de seu passado. Tudo que sabia é que não podia levar consigo nem mesmo a esperança de um dia talvez fugir de tudo o que sentia, porque sabia o que morava em seus sentimentos.

Ana não sabia mais há quanto tempo estava sentada no chão, perto de sua cama, o lugar, o único lugar em que se sentia segura pelo menos por alguns momentos. Já estava cansada de tentar mudar as coisas e ser uma pessoa como todos queriam que ela fosse. Ninguém via seus reais sentimentos, sua raiva e magoa escondida por trás do rosto tantas vezes belo, mas muitas vezes mais, marcado pela indignação e fúria. Ninguém levava seus problemas a sério, para todos eram apenas bobagens, mas ela sabia que não eram... Eles não tinham visto o que ela viu. Tentou contar o que havia visto e foi chamada de louca pelos poucos amigos que julgava ter.

Lembrava bem da primeira vez em que isso havia acontecido. Estava no mesmo lugar, perto da cama quando notou que tudo era silêncio. Não ouvia mais os sons normais da cidade. Era como se estivesse no vácuo, sozinha no universo. Apreciou aquele momento sem pressentir o que viria.

No meio do mais absoluto silêncio ela olhou em direção a sua cômoda, onde havia tantos livros, seu único laço com o mundo real, e o que ela viu a deixou horrorizada. Pairando sobre seus livros havia uma espécie de demônio, algo inominável, maléfico. Nem tentou gritar, sabia que não sairia som de seus gritos.

Simplesmente continuou a olhar para ele, aquela coisa cinzenta, meio apodrecida em algumas partes que sorria para ela. Depois de um tempo que pareceu muito, o silêncio sumiu, levando com ele aquela criatura.
Mas ela sabia que ele continuava lá, o sentia quando sua raiva parecia querer explodir, tentava se controlar para não o ver.

Naquele instante em que jazia perdida nessas recordações olhou novamente para o lugar em que tanto temia ver aquilo de novo. E ele estava lá, sorrindo, como que se alimentando de toda aquela mágoa que ela sentia ao recordar seus sofrimentos.

E era isso mesmo, Ana notou que agora a criatura antes apodrecida estava quase completa novamente. Parecia mais forte, mais nítida do que na primeira vez em que apareceu.

“Isso mesmo, Ana... sou sua mágoa, sua raiva, sua fúria... eu sou você... nada mais além de você... um dia não restará nada de bom em seus pensamentos e nos tornaremos finalmente um!” Falou o demônio. “Não! Não é verdade! Eu não sou você!” Gritou Ana, cada músculo de seu corpo retesado, recusando se a obedecer a seus comandos.

“Ora, ora, querida Ana... você tem coragem de dizer que seu coração não é assim como eu? Que a única coisa que muitas vezes desejou foi fugir desse mundo? Falta pouco agora e em breve você realizará seu desejo.... Virá comigo para o mundo aonde nasce à raiva e esses pensamentos sombrios.... Estará com pessoas que são exatamente como você, vão compreender seus sentimentos... eles também não sentem nada mais do que raiva” zombou aquele demônio horrendo, e desapareceu, deixando Ana desesperada.

“Só pode ter sido um sonho, um pesadelo sei lá!” Pensou ela. Mas ao olhar-se no espelho em vez de sua face, viu a face daquela criatura e então se convenceu de que ele não tardaria a busca lá. E desde então Ana não teme nada mais além do silêncio, porque sabe que quando tudo silenciar ele estará de volta..

POR: ANDRESSA SARNIK

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